sexta-feira, outubro 28, 2016

Ases pelos ares


Cada vez mais no futebol moderno, a capacidade de um guarda-redes no jogo pelo ar é um fator diferenciador. A competência nas bolas paradas laterais, sejam pontapés de livre, cantos ou arremessos laterais longos, faz com que um guarda-redes se distinga dos demais.

Obviamente que antes de mais qualquer outra característica, um guardião tem de ser competente entre os postes. Claro que, se não o for, não estamos a falar de um guarda-redes de qualidade e é escusado entrar na análise de outras características.

Porém, para distinguirmos os excelentes guarda-redes dos de top mundial, quanto a mim, atualmente, é a capacidade no jogo pelo ar que o determina. Pode-se contrapor o jogo com os pés igualmente. Concordo, mas se tiver que escolher entre os dois, o jogo pelo ar assume maior importância.

O jogo com os pés é muitas vezes mais relevante em equipas grandes, onde os guarda-redes têm que jogar muitas vezes com os pés pois são menos chamados à ação durante os 90 minutos e muitas das situações de jogo que enfrentam são bolas colocadas nas costas das suas defesas às quais têm que responder com saídas rápidas e com passes de risco para os seus colegas de equipa ou através de alívios para fora.

Já o jogo pelo ar é uma característica que qualquer guarda-redes de top mundial deve ter, jogue numa equipa maior ou mais pequena. A grande maioria dos lances que um guarda-redes enfrenta num jogo partem de cruzamentos e bolas paradas, por isso, ter total noção do espaço onde a bola cai, a forma como a atacar ou optar pela contenção entre os postes em determinadas situações é fundamental.

E neste capítulo, Jan Oblak, guarda-redes esloveno do Atlético de Madrid, que passou pelo futebol português, brilhando no SL Benfica depois de ter chegado ao nosso país muito jovem, tendo passado por empréstimo por Olhanense, Beira-Mar e Rio Ave, é na minha opinião o número 1 mundial. Sinceramente, considero-o o melhor guarda-redes do mundo não só a este nível mas na avaliação total do jogador, mas sem dúvida que pelo ar Oblak é praticamente intransponível.

O esloveno faz não só valer a sua altura para ser muito eficaz, mas tem também uma agressividade e assertividade no momento de sair que o distingue da grande maioria dos guarda-redes. O domínio do espaço aéreo de Oblak, aliada a todas as suas outras competência é sem dúvida o factor que o diferencia a nível mundial.

Jan Oblak é, desde há três anos, quando assumiu a titularidade da baliza dos encarnados na época de 2013/14, o guarda-redes menos batido do mundo (na primeira época em Madrid nem sempre foi titular, contudo). Jogou em dois clubes, Benfica e Atlético de Madrid, e se é certo que no caso dos colchoneros, tem pela frente uma defesa de betão e um sistema de jogo que privilegia a segurança defensiva, na Luz a realidade era distinta. Quando Artur Moraes se lesionou, o brasileiro tinha 13 jogos na Liga e 12 golos sofridos. O esloveno jogou 16 e sofreu 3!

E na época passada, aquela em que se assumiu como titular indiscutível em Madrid, sofreu quase metade dos golos de Real e Barcelona. O reconhecimento da sua qualidade a nível mundial parece tardar em chegar, muito provavelmente devido a pertencer a um país de pouca relevância no futebol mundial. Estou certo que apesar disso, não tardará a chegar e a ser considerado o melhor do mundo na sua posição.

Apesar de nomes como Neuer (que apesar de segurança aérea tem no jogo de pés a sua grande diferença e que leva muitos a considerá-lo o melhor do mundo), Courtois ou Buffon merecerem estar entre o restrito leque dos melhores guardiões mundiais.


O Caso Português
Esta questão do jogo aéreo coloca-se precisamente no tricampeão nacional. O experiente Júlio César e o jovem Ederson têm protagonizado uma das mais épicas batalhas pela baliza de um grande em Portugal nos últimos anos. Rui Vitória tem tentado dar oportunidades a ambos para que nenhum fique completamente sem jogar.

Essa rotatividade parece agora ter parado, com Ederson a ganhar a batalha e a assumir-se como número 1 na Luz. E foi precisamente pela capacidade no ar que o jovem de origem brasileira garantiu o lugar. Isso foi notório no jogo de Nápoles onde Júlio César claudicou fortemente nesse capítulo.

Entre os postes, quer Ederson quer Júlio César são guardiões extraordinários. Grandes reflexos, agilidade e segurança. Fora dos postes a diferença é abissal. Ederson faz lembrar Oblak (será que é da escola de formação dos encarnados? Ambos são produtos do Seixal e ambos passaram pelas mãos do treinador de GR, Hugo Oliveira, agora responsável pela formação de GR do Benfica, tendo saído da equipa principal. Será a tentativa de criar mais guarda-redes de grande valor como estes dois?), enquanto Júlio César, apesar de grande experiência, não tem a mesma qualidade neste capítulo.

Este é um exemplo de como cada vez mais o jogo aéreo é determinante na escolha de um Guarda-Redes, mesmo numa equipa grande.

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quinta-feira, outubro 20, 2016

Os desequilíbrios do leão


A pergunta que se coloca quando olhamos para o Sporting 2016/2017 é como é possível uma defesa que tem os mesmos titulares que na temporada transacta ter sofrido já, em sete jornadas (um quinto do campeonato), praticamente metade dos golos que sofreu em 2015/2016. Nos últimos sete jogos oficiais (onde se incluem 4 jogos da Liga NOS, 2 da Liga dos Campeões e 1 para a Taça de Portugal) sofreu 12 golos! Não sofrendo apenas em dois desses jogos, em Famalicão, para a Taça, contra um adversário menor, e na Champions, em casa, frente ao menos cotado adversário do grupo, o Légia de Varsóvia.

Jorge Jesus tem ilibado a sua defesa, referindo que nem tudo se explica por um sector e que é preciso olhar para a equipa como um todo. Não podia estar mais de acordo (o que no caso é raro pois são poucas as vezes em que concordo com o treinador português...). O grande problema do Sporting chama-se João Mário.

O médio formado em Alvalade, campeão de Europa no último verão, transferiu-se para o Inter de Milão no final do defeso e apenas foi opção na primeira jornada na vitória caseira sobre o Marítimo. É sem dúvida um jogador de excelência e com características ofensivas, de construção. Porém, é nos equilíbrios da equipa que João Mário faz mais falta.

Com o agora jogador do Inter, a equipa leonina jogou toda uma época num 4-4-2 que muitas vezes se assemelhava ao 4-4-2 em losango do primeiro ano de Jesus na Luz, onde Ramires desempenhava as mesmas funções. João Mário não é um extremo (basta ver que agora em Milão é muitas vezes utilizado em posições centrais, que é a sua origem) pelo que os seus movimentos verticais não são feitos na base da velocidade e do repentismo, mas da sua inteligência, da sua capacidade de passe e visão de jogo. A mesma inteligência que usava no momento defensivo, apoiando o lateral por fora ou ajudando William e Adrien nos movimentos interiores de equilíbrio tático.

Saiu João Mário e quem entrou? No onze Gelson Martins. No plantel Joel Campbell e Markovic. O jovem Gelson foi quem se afirmou e assumiu o lugar, sendo certo que dá à equipa coisas que João Mário não dava. O tal repentismo, capacidade criativa no 1x1, velocidade. Mas não dá estabilidade defensiva. E isso nota-se até no lado contrário, onde Bryan Ruiz acaba por expor mais as suas debilidades na recuperação da bola, algo que não acontecia com João Mário em Alvalade.

Já as alternativas, Campbell e Markovic, mostraram que são ainda piores para o equilíbrio da equipa. O sérvio já tem jogado só como 2º avançado por isso mesmo, enquanto o costa-riquenho desapareceu de circulação depois do naufrágio nos primeiros 45 minutos de Vila do Conde, depois da ideia peregrina de JJ de colocar Campbell à frente de Bruno César, com o brasileiro como lateral esquerdo. Em 45 minutos o Rio Ave humilhou os leões e nunca mais Campbell voltou a ser opção a titular, somando meras aparições em três jogos onde somando todos os minutos nem chegam a 45 minutos.

Olhando para o plantel dos leões, são muitas as dúvidas que se levantam para solucionar este problema que pode comprometer as aspirações verde e brancas na temporada. Gelson é indiscutível pelo que não é hipótese abdicar do jovem extremo para equilibrar a equipa. E à esquerda, são poucos os que mostram qualidades para poder desempenhar a função que João Mário fazia à direita. O único que poderá ser alternativa é o brasileiro Bruno César. Mas isso obriga a colocar Bryan Ruiz atrás de Bas Dost, abdicando de Markovic, algo que Jesus parece não querer.

Ou então abdicar dos dois avançados e colocar Gelson e outro extremo (seja Campbell, Ruiz ou Markovic) juntos a Bas Dost, reforçando o miolo com Elias, Meli ou mesmo Bruno César junto de Adrien (quando voltar) e William Carvalho.

Reequilibrar o leão é o grande desafio que Jesus tem pela frente. Depois de arranque a toda a força, o início da Champions parece ter exposto os defeitos gritantes que a equipa tem. E ainda faltam jogos contra Dortmund na Alemanha e em Alvalade frente ao Real Madrid, pelo que os leões não poderão abdicar do seu onze mais forte, mesmo que fiquem já fora de hipótese de seguir para a fase seguinte da prova europeia, pois correm o risco de poderem ser ultrapassados pelo Légia na última jornada e nem conseguirem o objetivo menor que é seguir para a Liga Europa, que Bruno de Carvalho já anunciou ser um objetivo para o seu próprio mandato.

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quarta-feira, outubro 12, 2016

O Cafu português


João Cancelo parece proveniente da escola brasileira de laterais direito. Cafú, Maicon ou Daniel Alves foram os expoentes máximos dessa escola ao longo das últimas duas décadas. O lateral português, formado no Benfica, parece talhado para voos semelhantes. Ouve-se já falar do interesse do Barcelona para substituir Aleix Vidal, que não convenceu depois de ter brilhado no Sevilha, uma posição carenciada nos catalães, que têm utilizado Sergi Roberto nessa posição, apesar de ser um médio de origem.

Acompanho a carreira de João Cancelo desde que o lateral tinha apenas 13 ou 14 anos, ainda nos iniciados do clube da Luz. Vi vários jogos do lateral no Seixal e confesso que sempre me encantou. Brilhava numa equipa onde pontificavam vários jogadores que se afirmaram no futebol nacional, como o guardião Bruno Varela, Fábio Cardoso, Ricardo Horta, Bernardo Silva, Diego Lopes, João Teixeira, Hélder Costa e Sancidino Silva. Foi com este grupo campeão nacional de iniciados, juvenis e juniores.

As suas características são precisamente as mesmas que hoje apresenta, claro que mais refinadas e desenvolvidas. Grande capacidade ofensiva, excelente na execução de cruzamentos, forte nas bolas paradas (algo que ainda não tem estatuto para assumir nem no Valência nem na Seleção Nacional), criatividade e velocidade. Muitas vezes jogava à esquerda dada a sua facilidade em vir para dentro para aplicar o forte pontapé que possui. Destaque também para a sua excelente compleição física, com 1,82m, uma altura muito relevante para um lateral no futebol moderno, onde cada vez mais o jogo aéreo é fundamental para o sucesso coletivo e individual.

Como sénior, depois de ter sido ignorado por Jorge Jesus no Benfica, tem vindo a destacar-se e a afirmar-se cada vez mais em Valência, onde tem sido quase sempre opção como lateral direito (raramente foi utilizado à esquerda) e mais recentemente, várias vezes, como extremo. Uma opção que se entende por causa de ser um lateral muito ofensivo, que por vezes provoca desequilíbrios na sua defesa por estar em posições mais adiantadas.

Esse era o grande ponto a melhorar do lateral direito natural do Barreiro. Já nos escalões de formação essa dúvida pairava aquando do momento que chegasse a sénior. É que nos escalões jovens, esse caudal ofensivo não tem grandes riscos defensivos dada a enorme diferença de qualidade entre os grandes e a maioria dos adversários que enfrenta ao longo da época.

Inicialmente em Espanha continuava a levantar muitas preocupações pois as falhas defensivas eram consideráveis e, obviamente, acima de tudo, Cancelo é um defesa, pelo que a sua obrigação primária dentro do campo é defender. Ao quarto ano de sénior, e na terceira época em Valência, o lateral direito português parece finalmente pronto para se afirmar como um dos melhores na sua posição a nível mundial.

Nos últimos jogos da Seleção Nacional beneficiou das baixas de Vieirinha primeiro e Cedric depois para agarrar o lugar. É certo que os adversários não foram propriamente muito exigentes, o que lhe permitiu brilhar ainda mais, mas com três golos em três internacionalizações dificilmente não será a opção para titular de Fernando Santos, apesar da concorrência feroz de Cedric e Nelson Semedo.

Será esta a temporada em que se afirma em definitivo e garante uma transferência milionária para um clube de maior dimensão? João Cancelo tem a palavra! Mas se mantiver o nível, é difícil acreditar que não será esse o cenário, já em janeiro ou no próximo defeso. Seria um justo prémio para um jovem cuja vida ficou marcada pelo acidente de viação de há poucos anos que vitimou a sua mãe, que conduzia o automóvel onde seguiam Cancelo e o seu irmão mais novo. Um momento muito amargo que marcou o jogador nos anos seguintes mas que agora parece ser a sua força interior para chegar à ribalta.

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terça-feira, outubro 04, 2016

Uma questão de formação



Falar de formação tornou-se uma moda. Ou assim parece. Até ao início do milénio, apenas o Sporting apresentava resultados neste campo. Por isso, basta olhar para a seleção nacional e ver que a maioria dos jogadores mais experientes são provenientes de Alvalade. Até fizeram uma foto todos juntos durante o Europeu de França que culminou no inédito título europeu para a seleção das Quinas. Eram quase metade dos convocados.

Entretanto, já no século XXI, tanto o Benfica como o Porto construíram as suas próprias academias, no Seixal e VN Gaia, respectivamente, mostrando que não podiam continuar a não seguir o exemplo de Alcochete. Fizeram-no e talvez o tenham feito melhor. Especialmente no caso do clube da Luz.

Na última semana, aquando da convocatória de Fernando Santos para a jornada dupla de apuramento para o Mundial 2018, muitos jornais destacaram a ausência de jogadores do Benfica na escolha do engenheiro. Algo que acabou por ser alterado face à lesão de Cedric e consequente substituição por Nélson Semedo. Contudo, há algo que merece atenção e que mostra a mudança de paradigma do futebol de formação em Portugal.

Se olharmos para os jogadores na convocatória com menos de 23 anos (esta idade é escolhida por ser o último limite de idade que existe no futebol de competição, pois é nos Jogos Olímpicos a idade limite. Apesar de serem já seniores há vários anos, a passagem dos 23 anos acaba por marcar o transpor o último escalão que existe), há uma clara predominância de jogadores formados no Caixa Futebol Campus.

Depois de anos e anos com Alcochete como referência, de onde saíram, entre outros, Ronaldo, Nani, Quaresma, Moutinho, Adrien, William, etc., o maior viveiro do futebol português parece agora continuar na margem sul do Tejo, mas mais próximo da ponte 25 de Abril que da ponte Vasco da Gama.

Para os jogos com Andorra e Ilhas Feroé constam 10 jogadores com menos de 23 anos. Metade dos quais formados no Seixal: João Cancelo, Nelson Semedo, Bernardo Silva, Renato Sanches e André Gomes. Contra apenas João Mário e Gelson Martins do Sporting e André Silva do FC Porto. Há ainda Raphael Guerreiro e Rafa que não foram formados em nenhum dos três grandes.

Se esta convocatória parece indicar a mudança de paradigma que ainda há um ano foi confirmada pelo prémio de melhor academia de formação do mundo ao SL Benfica, se olharmos para os escalões mais jovens das seleções nacionais, esta realidade é ainda mais clara:

- Sub-21 (apuramento para o Europeu): SLB (8 jogadores formados na Luz habitualmente utilizados), SCP (4), FCP (7)
- Sub-20 (última convocatória): SLB (8), FCP (3) e SCP (5)
- Sub 19 (última convocatória): SLB (5), FCP (8) e SCP (4)
- Sub 17 (última convocatória): SLB (6), FCP (4) e SCP (6)

Há poucas semanas Luís Filipe Vieira afirmava que daqui para a frente as idas ao mercado seriam pontuais pois o Seixal seria a fonte preferencial de talentos para a equipa principal. Ainda que tal afirmação pareça algo utópica, pois ao talento jovem é fundamental juntar experiência para uma receita de sucesso, é certo que há muitos jogadores com qualidade acima da média no Caixa Futebol Campus e no espaço de 2 ou 3 anos é de crer que os atuais seis jogadores do plantel principal que passaram pela academia dos encarnados possam ser o dobro ou mais. Muita atenção a Pedro Rodrigues, João Carvalho, Diogo Gonçalves, Yuri Ribeiro, Ruben Dias, Gonçalo Rodrigues, Aurelio Buta, José Gomes, Gedson Fernandes, Florentino Luís, João Filipe, João Felix e Umaro Embalo. Dificilmente 90% deles não serão as estrelas do futebol português na próxima década.

E a Seleção Nacional poderá também ser o espelho dessa realidade com uma maioria de jogadores provenientes do Seixal depois de décadas de predominância do rival de Alvalade, que atualmente parece estar na cauda do pelotão entre os três grandes do futebol português, com o Porto também a ultrapassar os leões em jogadores cedidos às seleções jovens, como se pode ver, por exemplo, pela seleção campeã da europa sub-17, que tinha seis jogadores formados no Seixal no onze titular, quatro no FC Porto e apenas um em Alvalade, que já nem sequer pertencia aos quadros dos leões aquando do título europeu.

Num período cada vez mais difícil em termos financeiros para os clubes nacionais, esta poderá ser, sem dúvida, a chave para o sucesso no futebol português.